domingo, 29 de agosto de 2010

Entrevista com Samir Machado

Samir Machado
Foto: Diego Wendhausen Passos

Data da entrevista: 08/07/2010


Diego: Nos últimos anos, os partidos políticos perderam a identidade ideológica, passando a coligar-se visando vantagens particulares, deixando de lado os princípios defendidos. Algumas coligações são muito questionadas, pois reúnem adversários históricos, como o PMDB junto com o DEM e o PDT aliado com o PP. Por que tem ocorrido essa salada ideológica?

Samir: Realmente os partidos perderam a sua identidade ideológica. Quase todos eles perderam quase toda a identidade ideológica. Por que razão que isso acontece? Por que não temos uma legislação eleitoral e político-partidária capaz de controlar esse tipo de ação. Em um país como o Brasil, cuja identidade histórica, em termos de participação popular, é quase inexistente, vamos dizer assim, você tem a possibilidade dos partidos estarem fazendo negociação com cargos e posições, entre outros. Isso acontece na gênese do próprio partido. Você veja que as agremiações, no Brasil, têm propriedade, digamos assim. São grupos que se assenhoraram das siglas, e indicam as pessoas que podem ou não se candidatar. Não basta ser filiado a um partido para se candidatar, precisa passar pelo crivo dessas pessoas. Não é à toa que você observa em nível nacional, estadual e no municipal, pessoas da mesma família que sucedem o pai, o tio, o avô. São verdadeiros feudos eleitorais. Nós temos exemplos disso não apenas no Nordeste, onde é típico o coronelismo até hoje, mas inclusive aqui no sul. Temos casos históricos, inclusive da família Ramos, Bornhausen, entre outras. E a razão de acontecer isso, na minha opinião, é pelo descaso do eleitor com o público, com o que é público. O eleitor brasileiro tem uma verdadeira mania, digamos assim, de criticar o poder público, mas na hora de participar, relega sua participação exclusivamente ao voto, que é obrigatório. Não basta você criticar, e eu até me penitencio, porque nós inclusive, que pertencemos a classe, digamos assim, mais instruída de pessoas, também temos esse vício terrível, de criticar e nada fazer.

Diego: Com um grande número de partidos, alguns defendendo os mesmos ideais, integram blocos distintos nas parcerias de chapa, sendo que alguns deles são chamados de siglas de aluguel, apenas para servir de apoio a determinado grupo. Quais os pontos positivos de uma reforma partidária, neste ponto?

Samir: Eu vou retornar a nossa primeira questão para responder essa pergunta. O que nós temos? Deixa de existir, quando é possível você negociar posições, mandos, poder político, e consequentemente, poder econômico, não tem mais escrúpulo para juntar a esquerda com a direita, ou o inimigo de hoje com o amigo de ontem, ou vice versa. O que acontece? Como eu havia falado, se você não tem uma legislação eleitoral, político-partidária que seja restritiva dessas possibilidades, sempre veremos essas excrescências no campo político. Precisaria ter sido aprovada uma nova legislação eleitoral, de partidos políticos, que está se tentando fazer neste país há 30 ou 40 anos, e não se consegue, porque você chega no Congresso Nacional, e encontra sempre as resistências dos mesmos grupos, não desejando que isso aconteça. Obviamente que vai ser muito difícil de você conseguir essa composição, mas, a exemplo do que já se discutiu, logo depois da constituinte, essa questão da reforma eleitoral e político-partidária, é de fundamental importância que sejam observados os modelos europeus, orientais, de sistemas de governo. O Brasil está muito atrasado nesse ponto.

Diego: Outro ponto que merece destaque, é a fidelidade partidária, tendo em vista que muitos representantes políticos são eleitos por uma sigla e migram para outra, buscando vantagens particulares. Algumas agremiações recuperaram na justiça o mandato de parlamentares por deixarem a associação em que foi eleito. Nesse ponto, o que precisaria ser modificado?

Samir: Nós temos uma característica interessante dos partidos no Brasil. O que você tem? O eleitor, brasileiro, ele já não é mais um eleitor partidário, mas foi. Se falarmos em UDN e PSD, vai ter uma época em que o eleitorado era um apaixonado pelos partidos. De certa forma, isso não existe mais hoje. Não há mais essa paixão partidária, primeiro, porque os programas partidários são extremamente semelhantes. Se pegarmos um programa de uma sigla que se diz de esquerda e de outra, que se diz de direita, ou de centro, você vai observar que toda a programática é muito parecida. A questão é como vai atingir aquilo que o programa prevê na sua ação governamental. Achávamos, e algumas pessoas ainda acham, em políticos que podem ser diferentes. O PT está no governo nos provando que os partidos não são muitos diferentes uns dos outros. Muitas coisas que eles criticavam quando eram oposição, estão fazendo ainda pior do que se fazia. Não estou aqui dizendo que o partido A avançou mais que o partido B na questão de governo. Agora, essa questão da representação popular, vamos dizer assim, eu acho que ela deve pertencer à agremiação partidária. Quando você tem partidos, cuja a linha ideológica, cujo o programa a democratização, dentro da própria estrutura exista, não é o caso do Brasil. Por isso é que se torna muito difícil admitir que as vagas sejam partidárias, porque o eleitor não está votando no partido, está votando no candidato. Isso é notório. Nós podemos observar isso se você perguntar para os eleitores sobre a sua preferência partidária, ou sobre a sua preferência por candidato, ele sempre declinará da preferência pelo candidato antes do partido. Talvez alguma pessoa um pouco mais esclarecida possa dizer que vai votar porque o partido pensa isso ou aquilo. Enfim, o que deveria funcionar efetivamente, era a vaga pertencente a agremiação partidária. Mas no Brasil isso é muito difícil de você permitir isso, porque as siglas são propriedades de pessoas e de grupos, e, fazendo isso, e às vezes elas utilizam de pessoas com notório conhecimento público, de pessoas famosas, para conseguir fazer um determinado número de acentos, e amanhã ou depois, eles expurgam essas pessoas, para adonar-se daquilo e colocar os seus, não é verdade? Das duas formas, você tem dificuldade. No caso brasileiro, eu acredito que esta regra, da vaga pertencer ao partido, não é uma regra muito honesta, vamos dizer assim, porque o eleitor brasileiro vota em candidatos, não em partidos.

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