domingo, 6 de dezembro de 2009

Entrevistas com Nelson Maurílio Coelho Junior e Marco Antônio Mattos

Nelson relata sobre o tema, e Marco Antônio, da experiência como integrante do exército na época

Nelson Coelho Junior
Foto: Diego Wendhausen Passos

Data da entrevista: 19/05/2009

Diego: Nelson, qual é a análise da novembrada aqui em Santa Catarina, Brasil?

Nelson: A Novembrada foi um acontecimento extremamente importante e repercutiu em nível nacional. Representou a decadência do governo militar, a crise no governo, o João Figueiredo, que representava o último general, até então ninguém sabia que ele seria o último, mas a pressão do popular era grande contra o governo militar. Essa crise no Brasil deve ser analisada também em nível global, a crise internacional, por causa da criação da Opep, a pressão contra o estado de Israel, os interesses econômicos dos produtores de petróleo, que haviam criado duas crises, a de 1974 e a de 1979. Os países árabes reduziram a produção de petróleo, isso fez com que ocorresse uma supervalorização do petróleo. Esse aumento no preço do petróleo gerou um aumento nos preços das mercadorias brasileiras. Até então o Brasil ainda era muito dependente da importação de petróleo, diferente de hoje, que já consegue ser quase auto-suficiente na sua produção. Havia também uma revolta porque o povo até então era tratado de uma forma indiferente pelo governo militar, e até de forma repressiva. A população não tinha participação, não havia transparência, não tinha informação de nada do que acontecia, tudo era proibido, nada era permitido. Havia a lei de imprensa, a lei de censura, então, havia uma série contextos. O contexto internacional, de crise, o nacional, também de crise, porque o governo militar pegou muito dinheiro emprestado. Fizeram empréstimos internacionais, com juros altos, o Brasil aumentou a dívida. O governo investiu muito em obras públicas, as denúncias de corrupção pipocavam e começaram a aumentar na crise do governo militar. O presidente João Figueiredo também não tinha muito jogo de cintura, não era um presidente muito simpático. Era turrão, durão, e ficou famoso por suas frases polêmicas, como “prefiro o cheiro do meu cavalo do que o cheiro do povo”, e isso tudo fez com que a população se revoltasse. Com isso, alia-se o desemprego, desabastecimento e a população desesperada. Então, a visita de João Figueiredo foi algo bastante marcante e até o acontecimento da Novembrada porque ele já foi recebido com manifestações no aeroporto, no caminho, no Saco dos Limões, na Costeira, panelaço, já teve tumulto na hora que ele recebeu o diploma de cidadão florianopolitano no Senadinho, e depois vieram manifestantes da Universidade Federal, lutando contra a repressão, manifestando-se contra, xingando o próprio presidente, e ele não tinha jogo de cintura para lidar com isso, com o xingamento das manifestações, e acabou gerando a Novembrada, porque ele desceu, foi para o meio dos manifestantes. Há até uma história que ele fez um gesto obceno, da sacada do Palácio Rosado. Depois ele desmentiu e disse que não, que não foi ofensivo, foi um equívoco, mas que realmente acabou de uma forma lamentável, briga generalizada. Dizem que é lamentável, outros historiadores dizem que é fascinante, que é incrível, a luta do povo, tentando agredir o presidente. Há bastante polêmica sobre esse assunto, mas foi um acontecimento extremamente importante. Florianópolis quase não saía no noticiário nacional, muita gente nem sabia na década de 1970 que Florianópolis existia, e aí, saiu a cidade na lista vermelha do governo militar. Até então pouquíssimos presidentes haviam visitado a cidade, sem escolta, sem aparato militar, então, Florianópolis foi a primeira cidade em que podemos dizer que o povo se rebelou contra a ditadura militar.

Diego: E a placa em homenagem a Floriano Peixoto? A tentativa de tornar o regime militar populista também fracassou.

Nelson: Essa placa de bronze coincidiu, porque a república, proclamada em 1889, e a visita do presidente Figueiredo foi em 1979. Eles quiseram fazer uma homenagem a um presidente militar, com uma placa de bronze que ficaria instalada onde hoje é uma floricultura, na frente da Praça XV de Novembro, e essa placa homenageada o presidente Floriano Peixoto, que era também um marechal. Marechal é um título que normalmente se usa geralmente em épocas de guerra, marechal cinco estrelas, então tentaram relacionar Floriano Peixoto, Deodoro da Fonseca, ao governo militar. Na realidade, uma forma de bajular o governo. Foi uma homenagem que o Jorge Bornhausen e o prefeito da época fizeram para o presidente da época e a população não gostou nada dessa homenagem, principalmente a Floriano, que foi responsável pelo massacre do Anhatomirim, um episódio muito triste na História de Santa Catarina, porque mais uma vez uma ditadura militar causou uma tragédia, ceifando quase a vida de 200 pessoas, na ilha do Anhatomirim. Então a placa foi destruída, eu lembro de cenas que passaram na TV, eu era criança quando aconteceu e cenas em que eles arrancavam a placa a marretadas, a pauladas. Tinha uma senhora, numa cadeira de rodas, e ela ajudou a arrancar a placa, com a marreta, e os repórteres perguntaram por quê, e ela falou que ele foi o responsável pela morte dos antepassados dela, e que ela aceitaria jamais uma homenagem, já teria que aguentar o resto da vida uma homenagem a Floriano no nome da cidade, então seria terrível para essa senhora aguentar ainda uma homenagem com uma placa de bronze.
Marco Antônio Mattos
Foto: Diego Wendhausen Passos

Data da entrevista: 30/10/2009

Diego: Qual foi sua participação no dia da Novembrada?

Marco: Eu era da Força Aérea Brasileira, motorista do Corpo de Bombeiros. Estava no Aeroporto quando o presidente Figueiredo chegou. Nós fomos treinados uma semana antes, para conhecer o avião presidencial, e a determinação era que, se houvesse algum acidente no Aeroporto, o primeiro a ser resgatado deveria ser o presidente. E, durante o dia, ficamos de plantão na Base Aérea, e deu aquela confusão, e a chagada foi bem de emergência, e a nossa função foi de proteger a figura do chefe de estado, que era o presidente.

Diego: E durante a confusão, quais foram as dificuldades, para vocês que estavam trabalhando na segurança do governo?

Marco: Na verdade não queríamos utilizar a violência com ninguém, mas a nossa função, na época, era proteger o presidente da república, acima de tudo. E ele teve uma reação violenta, desceu para discutir com os manifestantes, aí piorou tudo. No meio da multidão estavámos sem controle. Realmente houveram excessos, de ambos os lados, mas, naquele momento, vivíamos na Ditadura Militar, ele foi o último presidente da ditadura, saiu em 1985. Para os militares, foi uma situação de cumprir ordens, tínhamos que fazer. Na época, os manifestantes foram para cima, realmente, para agredir, e não podíamos deixar acontecer. Depois pegaram alguns estudantes, que serviram de culpados pelo governo. Foram punidos, condenados, mas depois o tribunal absolveu.

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