quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Entrevista com Rosângela de Souza

Lelê analisa os acontecimentos e analisa as questões sociais e democráticas no Brasil

Rosângela de Souza
Foto: Raul Fittipaldi

Data da entrevista: 27/10/2009

Diego: Como foi a preparação de vocês no dia das manifestações?

Rosângela: A manifestação, ela não foi algo organizado publicamente porque nós vivíamos em uma ditadura militar, e a maioria das coisas que nós fazíamos era de forma clandestina. Então, nós não chamamos o conjunto dos estudantes, nós chamamos só algumas lideranças do movimento, e algumas pessoas da base, que estavam mais interessadas na luta política, e fizemos uma reunião no Diretório Central dos Estudantes. Na época, eu acho que era a União Catarinense dos Estudantes. A reunião foi no centro da cidade, eu não lembro se era na sede da UCE ou do DCE. E lá, fizemos um debate, se havia conveniência, ou não, de fazermos a manifestação. Algumas pessoa, em princípio, foram contra, não lembro quem, mas houveram convocações. Não era algo que se deveria fazer, porque estaríamos correndo riscos, mas no final, que eu me lembre, foi um consenso das lideranças fazer a manifestação.

Diego: E naquele tempo, censura, regime militar, já estava começando um período de abertura política, você acha que aquilo ajudou a derrubar o regime militar?

Rosângela: Eu não chego a tanto, que ajudou a derrubar o regime militar, ele já estava caindo de podre. Mas eu entendo que ele acirrou, precipitou, nesse sentido, porque eles queriam, já que havia um período de abertura, aquele ato, em Florianópolis, organizado tanto pelo governo federal, quanto pelo governo estadual, que eram os generais, e o senhor Jorge Bornhausen, já era uma forma de eles organizarem essa atividade em Florianópolis, a vinda do general Figueiredo, com o objetivo de transformá-lo de general em João, o presidente da conciliação. Isso demonstra que eles já estavam compreendendo que tinham que fazer, no mínimo, abrir a ditadura, reprimir menos, fazer algumas concessões, e acho que nós acabamos, principalmente, com a farsa de que não vivíamos em uma ditadura, e que sem eleições, nós poderíamos ter um general no poder, um general presidente, que tínhamos uma democracia. Então, acho que no fundo, era isso que eles queriam, ou bem no raso. Era isso que eles estavam querendo, e essa farsa acabou. E, eu acho também, que deu forças para outras pessoas que estavam lutando, ficarem mais ousadas. Nesse ponto, tenho certeza que colaborou com a ousadia, com a demonstração de que é possível lutar, e de que lutando, era possível vencer.

Diego: Nesses 30 anos, nós presenciamos diversas mudanças geopolíticas, na América Latina, e tanto mundial. As ditaduras foram caindo, no Brasil, na Argentina, Uruguai e Chile. Na sua opinião, o retorno ao sistema democrático já está em nível, no padrão ideal, ou ainda há o que ser melhorado, em questão de liberdade de expressão?

Rosângela: Nós estamos muito longe de uma democracia burguesa. E queremos muito mais que uma democracia burguesa. O que nós buscamos é uma democracia social, nós queremos uma democracia socialista. Isso que é bom para o povo do mundo inteiro, não há dúvida, que é o fim da propriedade privada, e o fim da miséria, e uma sociedade onde seja possível viver em igualdade de condições, onde se tenha igualdade econômica, e onde as diferenças entre as pessoas sejam respeitadas, as diferenças de tratamento, organização, mas onde não haja mais miséria. Mas estamos muito longe de tudo isso, tem muito o que lutar. E a nível de democracia, nós não temos respeito às questões mínimas de democracia, por exemplo, quando pensa que a ela vem somente na questão política dos militantes. A democracia é algo que diz respeito a toda a sociedade, não só aos militantes políticos, que é verdade que eu hoje, como uma parte desse grupo, eu posso falar o que quizer, e se eu tiver que responder por isso, será judicialmente, e vou ter amplo direito de defesa. Mas é isso que eu falo, só. Acho que o povo precisa de ampla democracia. O povo não tem que sofrer violências, nem policial, de estado. E, sem dúvida, hoje, o Brasil tem uma das polícias mais violentas do mundo, que mata, de forma assustadora. A pena de morte aqui no Brasil, existe, e é levada a efeito, sem julgamento. Então, quando isso existe, digamos, centenas de pessoas são mortas pela polícia, sem direito a defesa, isso é um estado não democrático, é policial. É um estado que precisa passar por grandes transformações, e, ao mesmo tempo, nós temos a criminalização dos movimentos sociais. Qualquer movimento social que fizermos, vira caso de polícia. A primeira coisa que o governo faz, tanto estadual, federal, como municipal, é botar a polícia na rua, para abater as pessoas que lutam contra o racismo, que lutam pelas condições de vida, pelo passe livre. Então, o Brasil ainda é um país extremamente ditatorial. Os tribunais, os administradores, são pessoas ainda que não sabem conviver com a democracia, que conseguimos colocar, no direito formal. No direito formal, nós somos um país democrático. Mas, na efetivação desse direito, nós somos ainda um país extremamente ditatorial. Há muito o que ser feito ainda.

Diego: Outra conquista do cidadão brasileiro foi o direito de voto. Só que atualmente, muitos já desanimaram, devido aos últimas decepções políticas, com governos que lutaram contra o regime, como exemplo, o próprio Fernando Henrique e o Lula. Muitos se decepcionaram com ambos, e, se pudessem não votar, não votariam. Como você vê essa questão do voto livre?

Rosângela: Eu sou favorável ao voto livre, acho que uma democracia que está caminhando para uma evolução, deve dar o direito da população ir às urnas, ou não. Por que não ir às urnas, não votar, a abstenção é uma atitude política também. A obrigatoriedade, é uma forma que esses senhores que hoje governam o Brasil, com resquícios violentos da ditadura militar, eles querem falsificar uma realidade. Eles querem fazer parecer que pelo fato das pessoas votarem, existe uma democracia. E outra coisa que devemos denunciar, a democracia, ela não pode simplesmente, que é passada da democracia burguesa, de que votou, tem eleições diretas, democracia, e tal. Para que o voto seja uma democracia, é importante as pessoas terem ampla liberdade de informação, e muitos não têm, não tenha dinheiro, não tenham jogado “a rodo”, como vemos, nas eleições. Os pleitos são milionários, isso não se pode dizer que se sustenta no marketing, o dinheiro dá a opção democrática para as pessoas. Precisa ter liberdade de imprensa, questionarmos a forma como a imprensa, as concessões de rádio, televisão, jornais, como elas se processam. Precisamos liberar as rádios comunitárias, dar ampla liberdade para que as pessoas possam debater livremente suas ideias. Então, muito ainda deve ser feito. Sou favorável ao voto livre, e, inclusive, ao voto dos prisioneiros, pessoas que foram condenadas por uma pena, eu acho, que pena de prisão, é uma pena. Não votar, já é uma segunda pena, e eles deveriam ter direito de votar, por que inclusive, nossas prisões são as piores do mundo. Aí também tem que se discutir a questão da democracia, por que não temos prisioneiros políticos. Do meu ponto de vista, essas pessoas que estão nas prisões, são prisioneiros políticos, porque a maioria que lá estão, são negros e pobres. Se são os negros e os pobres que estão lá, eles estão lá por uma questão política, porque eles não tiveram condições de ter uma vida digna, e foram em busca dela, de uma forma, ou de outra, de uma forma que a lei não permite, possivelmente. Mas foi a forma que eles encontraram. Enquanto não houver justiça social, cada prisioneiro, ser humano que estiver aprisionado, para mim, é um prisioneiro político. E eu defendo os direitos de voto dos negros. Se eles quiserem votar, eu defendo o direito de voto.

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