domingo, 3 de outubro de 2010

Os 20 anos da reunificação alemã: material produzido no Diário Catarinense

Material produzido pelo jornal Diário Catarinense (RBS), nos dias 4 e 5 de outubro de 1990, falando sobre a reunificação da Alemanha.

Edição: 04/10/1990
Mundo
Página 11

Foto: Diego Wendhausen Passos
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

Disciplina germânica se impõe após unidade

Berlim – Após uma noite de festas pela reunificação do país, que levaram milhões de pessoas às ruas em várias cidades, o dia amanheceu ontem ensolarado na Alemanha, com os cidadãos aproveitando o feriado nacional para comparecer aos muitos serviços religiosos, cerimônias formais e concertos comemorativos ao “Dia da Unidade”.

Nem por isso a velha disciplina germânica foi esquecida: ao raiar da aurora, varredores e caminhões lava-ruas já limpavam as garrafas de champanhe e cerveja, confetes e papel picado deixados pelos foliões na noite anterior. Os sinos das igrejas repicaram em várias cidades para anunciar o amanhecer do “Dia da Unidade”.

Graças ao rigoroso esquema de segurança, os incidentes com os jovens de esquerda e de direita durante a noite foram poucos e de menor gravidade. Em Bonn, a polícia prendeu cerca de 50 neonazistas que caminharam pelo centro da cidade com bandeiras exibindo a cruz suástica. As detenções foram aplaudidas pelos populares. (UPI)

Papa abençoa unificação

Vaticano – O Papa João Paulo II abençoou ontem a unificação alemã em mensagem dirigida ao presidente Richard Von Weizsaecker: “O momento solene em que a unificação da Alemanha se realiza por livre autodeterminação me proporciona a feliz oportunidade de dirigir meus melhores votos e minha bênção a todos os responsáveis do país e da sociedade alemã”.

“Dirijo meus votos de paz e bem-estar aos cidadãos, que estavam convencidos da realização pacífica da liberdade e que buscaram sem trégua. Na convicção de que o povo alemão concederá no futuro sua contribuição à coexistência com os demais povos europeus e à solidariedade com os países de todo o mundo, vos imploro, senhor presidente, e a todos os cidadãos de seu país, por ocasião deste dia tão esperado da unidade alemã, a melhor bênção do Senhor”, conclui o Para. O presidente Fernando Collor também enviou ontem a mensagem a Weizsaecker e ao chanceler Helmut Kohl parabenizando pela histórica unificação. (AFP-Sucursal/RBS)

Israel pede que a RFA não esqueça holocausto

Para o povo judeu, a unificação alemã pode representar uma ameaça para o futuro, caso a nova pátria receba orientação nacionalista

Jerusalém – O governo de Israel saudou cautelosamente, ontem, a reunificação da Alemanha, manifestando o desejo de que a nova pátria germânica, unida, trabalhe vigorosamente contra o anti-semitismo e se lembre de sua obrigação moral para com o povo judeu. O primeiro-ministro israelense, Yitzhak Shamir, recebeu o encarregado de negócios da embaixada alemã, Helmut Richter, e lhe disse que a data de ontem era de grande significação, não só para o povo alemão, mas também para o de Israel, sendo naturalmente um dia de reflexão. “Se por um lado não interferimos no traçado das fronteiras em lugar nenhum, de outro temos de lembrar a tragédia sem precedentes infligida pela Alemanha nazista a nosso povo, aleijando-o por gerações”, assinalou Shamir a Richter.

O chanceler israelense, David Levy, pensa que a reunificação alemã tinha que ser recebida também com a esperança de que “a Alemanha de amanhã seja uma Alemanha que, acima de tudo, passará no teste com o povo judeu”. Levy também deseja do novo país uma posição contra o anti-semitismo e a perpétua lembrança de suas obrigações moral e nacional pelo que fez ao povo judeu. Durante o holocausto da II Guerra Mundial, seis milhões de judeus foram mortos pelos nazistas.

As autoridades israelenses têm se mostrado desapontadas com o tratado de reunificação das Alemanhas e outros documentos a elas relacionados, por não enfatizarem em seu texto o papel do holocausto na história germânica. O presidente do parlamento de Israel, Dov Shilansky, ele mesmo um sobrevivente do holocausto, qualificou a data de ontem como “um dia de luto”.

“Tenho medo de que uma Alemanha unida, uma vez que grupos anti-semitas e nazistas estão em ascensão, no futuro possa se voltar para uma política expansionista e para uma orientação nacionalista de mente estreita”, disse Yitzhak Arad, diretor do Museu do Holocausto, em Jerusalém. “Não sou contra as boas relações com a Alemanha, mas como um sobrevivente tenho sentimento e os expresso. Para mim, hoje não é um dia de festa, um dia de celebração”, comentou Arad. (UPI)


Edição: 05/10/1990
Opinião
Página 6



Foto: Diego Wendhausen Passos
Acervo: Biblioteca Pública de Santa Catarina

A nova Alemanha

Nelson Sirotsky
Vice-Presidente da RBS

A esperança é de que a nova Alemanha construa o seu futuro com o mesmo espírito daqueles que derrubaram o muro

Estar na Alemanha e circunstancialmente presenciar esta época de transformações extraordinárias representa uma experiência fascinante de participar, mesmo como observador, de um tempo que será lembrado no futuro como histórico.

O 3 de outubro de 1990, celebrado com emoção, teve o povo na rua, fogos de artifício, concertos imponentes e cerveja de graça. Mais do que isto, a data traz consigo inúmeros significados para as 79 milhões de pessoas (63 milhões de ocidentais e 16 milhões de orientais) que a partir de agora formam a população dessa Alemanha unida depois de 45 anos.

Para muitos, representa o verdadeiro final da II Guerra Mundial. A retomada do controle de Berlim pelos alemães, efetivada no simples ato de recolhimento das bandeiras americana, francesa e inglesa no famoso “Check Point Charlie”, simboliza o final da ocupação aliada naquela que certamente será confirmada como a nova capital alemã.

Ressurge uma Alemanha com desafios extraordinários pela frente, sendo o mais destacado deles a eliminação dos profundos contrastes existentes entre as duas sociedades que dão origem a esta nova superpotência. Contrastes estes absolutamente perceptíveis nas ruas de Berlim, onde Mercedes e BMWs de alta tecnologia dividem os espaços com ultrapassados “trabis” (carro popular fabricado na Alemanha Oriental) ou com desengonçados “ladas” produzidos na Rússia.

No campo empresarial, o desafio de integrar a antiga DDR aos mesmos padrões alcançados pelo lado ocidental, pode oferecer um interessante volume de oportunidades. Ainda nesta semana a poderosa Daimler-Benz (fabricante do automóvel Mercedes) anunciou investimentos de 3 bilhões de marcos (U$ 2 bi) a serem desenvolvidos na parte oriental do país nos próximos dois ou três anos.

Há, finalmente, aqueles que se preocupam com o futuro da Alemanha olhando para o seu passado, quando numa época de grave crise econômica e elevado índice de desemprego, a solução oferecida, e aceita pela sociedade, foi a de uma terrível onda nacionalista que mais tarde veio a horrorizar a humanidade.

Decisivamente, vive-se na Alemanha do presente um momento de transição e de história. A esperança de todos, direta ou indiretamente, ligados a este processo, é de que a nova Alemanha possa construir o seu futuro no mesmo espírito daqueles que derrubaram o muro de Berlim em novembro de 1989, ou no espírito de 30.000 atletas que no último domingo invadiram a “Porta de Brandenburgo” comemorando com uma maratona o ressurgimento de um grande país.

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