quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Entrevista com Fernando Evangelista

Fernando Evangelista
Foto: Diego Wendhausen Passos

Data da entrevista: 09/09/2011

É jornalista e documentarista, mestre em Comunicação pela Universidade de Coimbra. Foi professor da Faculdade Estácio de Sá e repórter da revista Caros Amigos. Recebeu o prêmio Vladmir Herzog por uma reportagem sobre a questão agrária no interior de São Paulo. Cobriu três guerras no Oriente Médio e conflitos na América do Sul e na Europa. Além de jornais e revistas no Brasil, tem reportagens publicadas na Itália e na Alemanha. Atualmente, é diretor da Doc Dois Filmes e colunista do site Nota de Rodapé.

Diego: Região rica em reservas de petróleo, o Oriente Médio sempre foi muito cobiçado pelas potências ocidentais, além de ser palco de inúmeras disputas territoriais, políticas e religiosas, ainda mais acirradas com a criação do Estado de Israel, em 1948, cria-se um sentimento hostil em relação aos principais países capitalistas, principalmente os Estados Unidos. Como os norte-americanos são vistos naquela região?

Fernando: O Oriente Médio, como a América Latina, é uma região plena de diversidade e qualquer tipo de generalização corre o risco de ser incorreta. Porém, já que me perguntas, digo a sensação que tive nos países pelos quais passei. Os Estados Unidos são vistos como um Estado patrocinador de ditaduras, guerras e barbáries de todos os tipos. O apoio incondicional dado a Israel só reforça este sentimento. Importante lembrar, o que as potências ocidentais fizeram naquela região. Alguns exemplos dos anos 1980:

Cena 1. Fiéis saem tranqüilamente de uma mesquita em Beirute. São principalmente mulheres, algumas carregam filhos no colo. Um carro estacionado em frente ao templo explode neste mesmo instante, matando 80 pessoas e ferindo 250. Várias crianças morrem, incluindo bebês. O atentado tem como alvo principal um xeique mulçumano que sai ileso. Os terroristas eram agentes da CIA e do serviço secreto britânico.

Cena 2. Tunis é atacada com as famosas bombas inteligentes. Mais de 70 pessoas são mortas pelos mísseis lançados por Israel, com todo apoio norte-americano. O secretário de Estado dos Estados Unidos, George Shultz, logo após o bombardeio, telefonou ao ministro de relações exteriores israelenses para cumprimentá-lo por mais um passo importante e decisivo no combate ao terrorismo.

Cena 3. Israel, sob as ordens do primeiro ministro trabalhista e ganhador do prêmio Nobel da Paz, Shimon Peres, lança a Operação Punho de Ferro no sul do Líbano. Dezenas de pessoas foram assassinadas, outras tantas presas – sem direito a defesa – e levadas para interrogatório em Israel o que, na prática, significa que foram levadas para salas de tortura.
A lista é imensa. Esses fatos e seus respectivos autores estão num livrinho do norte-americano Noam Chomsky. Os anos 90 seguiram a mesma linha. O país que recebeu o maior apoio militar neste período (excluindo sempre Israel e Egito) foi à Turquia.
E, não por coincidência, foi o Estado que mais registrou atos de desrespeito aos direitos humanos, tendo como alvo a população curda, que representa um quarto da população. Mais de 80 por cento dos armamentos da Turquia são provenientes dos Estados Unidos. Se entramos nos últimos anos, ficaríamos um dia inteiro conversando sobre o que administração Bush foi capaz de fazer na região.

Diego: Qual sua opinião sobre a Guerra do Terror?

Fernando: Essa é uma expressão que o governo do Estados Unidos usa há muitos anos, vem antes do Bush Jr. Veja só: No começo de 1998, durante uma coletiva à imprensa, concedida pelo primeiro ministro Tony Blair e pelo então presidente Bill Clinton, foi anunciada - com holofotes e microfones - a guerra ao terror. Dezoito dias depois, o Al-Quds al- ‘Arabi, jornal árabe distribuído em Londres, publicou a íntegra da declaração da Frente Islâmica Mundial para Jihad contra os Judeus e os Cruzados.
O pano de fundo do texto não deixava dúvidas sobre a motivação do início da guerra santa: A presença militar dos Estados Unidos – desde a guerra do Golfo em 1991 - na Arábia Saudita, lugar mais sagrado do Islã. Entre as assinaturas, constava um nome até então pouco conhecido no mundo ocidental: Osama Bin Laden.
Três anos depois, em 11 de setembro, os Estados Unidos foram atacados. Era o álibi inconteste para tirar os velhos planos da gaveta – invadir o Afeganistão - e o combate há muito planejado teve início, tudo feito em nome da legítima defesa.

Diego: Você acredita que a guerra contra o Afeganistão já estava sendo planejada, antes mesmo do 11 de setembro?

O ataque era um plano antigo, desde que os Talibãs interromperam a construção do oleoduto da empresa texana Union Oil of Califórnia (Unocal). O oleoduto iria passar pelo Paquistão através do Afeganistão até o porto de Karachi no mar Cáspio. E o que existe lá? Reservas de petróleo estimadas em 200 bilhões de barris e um volume parecido em gás. Antes disso, como demonstra o norte-americano Gore Vidal no livro Sonhando a Guerra, os “monstros” não eram tão monstros assim, a ponto de o jornal Wall Street, em maio de 1997, afirmar: “Queiramos ou não, o Talibã é quem mais tem possibilidade de alcançar a paz no Afeganistão neste momento da História”. E o New York Times, três dias depois, dizia que Bill Clinton considerava o grupo Talibã uma boa cartada para os interesses dos Estados Unidos, como um contra-peso ao Irã e a Rússia, porque poderia oferecer ao país novas rotas comerciais.

Diego: Mas parece um pouco inverossímil iniciar uma guerra por causa de um oleoduto, não parece?

Fernando: Zbigniew Brzezinski, assessor do então presidente Jimi Carter para assuntos de Segurança Nacional, desenvolveu, em 1997, um estudo bastante elucidativo. Ele dizia alguma coisa mais o menos assim: “Desde que os continentes começaram a interagir politicamente, cerca de quinhentos anos atrás, a Eurásia tem sido o centro do poder mundial”. E daí? Daí, como sustenta Gore Vidal, o estudo conclui que “o consumo de energia no mundo continua crescendo; logo, quem controlar o petróleo e o gás da região do mar Cáspio irá controlar a economia mundial”. Eurásia é o território que compreende a Rússia, Oriente Médio, parte da Índia e China. Gore Vidal lembra que 75 por cento da população mundial é eurasiana e que a região detém 60 % do PIB mundial e três quartos das fontes de energia conhecidas no planeta. Mas Brzezinski reconhece (estamos em 1997) que o mundo não admitiria, sem mais nem menos, uma invasão sem desculpas ou álibis. O 11 de setembro, idealizado por Bin Laden, era o pretexto esperado.

Diego: Nos principais meios de comunicação internacionais, os norte-americanos vendem a imagem de nação próspera, evoluída, de principal referência mundial, enquanto os inimigos dos Estados Unidos são vistos negativamente nos noticiários. Até que ponto a influência política interfere, nesse aspecto?

Fernando: Interfere muito, porque hoje em dia os três poderes são o econômico, o político e o midiático, cada vez mais interligados. Sendo assim, quem tem o poder econômico tem o poder político e acaba tendo o poder midiático. A influência é muito grande ainda, mas com a internet, e com a possibilidade - ainda não realizada - de democratização dos meios de comunicação, acho que essa influência irá diminuir.

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