quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Entrevista com Mauro Pandolfi

Mauro Pandolfi
Foto: Diego Wendhausen Passos

Data da entrevista: 07/01/2011

Mauro Pandolfi é jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, em 1985. Atualmente é proprietário e sócio da Farmácia Homeopática Opção Natural, em São José-SC. Na carreira jornalística, atuou na área esportiva, participando da revista sobre a História do Avaí, produzida em 1987, ao lado de Paulo Scarduelli. Editor do Fanzine Vídeo, de cinema e vídeo, em parceria com Paulo Scarduelli e Sandro Shiguefuzi, era distribuído gratuitamente às videolocadoras de Florianópolis. Na mídia impressa, trabalhou no Diário Catarinense e Jornal A Notícia, ambos na editoria de esportes.

Diego: Durante algumas décadas, o campeonato catarinense iniciava com a disputa dos citadinos, que classificava os melhores de cada região para a fase decisiva, porém, com o início da Taça Brasil, em 1959, esses torneios foram perdendo espaço e deixaram de existir. Na sua opinião, os campeonatos estaduais também correm esse risco, diante de um calendário futebolístico cada vez mais extenso?

Mauro: Eu costumo dizer que existe o tambor dialético do tempo. Assim como terminaram os citadinos, os estaduais serão extintos. O citadino tinha um viés social como principal elemento do futebol eram campos que geravam bairros, ou bairros que tinham campo, e, na integração social, entre as comunidades e os bairros, originaram-se essas disputas. Com o progresso econômico e o desenvolvimento dos estados, mais estradas, surgiram os estaduais. O campeonato estadual tem um viés eminentemente político. Se você analisar os dirigentes dos clubes nos anos de 1950 a 1980, você vai encontrar vários políticos. Nesse momento funciona uma entidade, que são as federações, que são eminentemente políticas. Controlam o futebol com mão-de-ferro, dependendo dos seus interesses. São feudalizadas, eleitas por outras menores, também feudais, que são as ligas locais. O futebol estadual vai desaparecer se não for reinventado. O futebol, hoje, é essencialmente econômico, o viés dele é econômico. Temos como exemplo o Avaí e o Figueirense. A cota de televisão de Avaí e Figueirense, segundo o blog do Rodrigo dos Santos, é de R$ 220 mil. 220 mil, dividido por menos de quatro meses, dá algo entre 50 e 60 mil, o que não paga o salário de seu principal jogador. Como os clubes que têm uma arrecadação, uma verba de televisão em torno de R$ 10 milhões, no caso de Avaí ou Figueirense, que vão disputar um campeonato brasileiro, como que um campeonato estadual pode ser atrativo? O futebol estadual, o campeonato, deve ser reinventado, e passa pela extinção das federações, que são entidades anacrônicas, obsoletas, que não podem mais gerir o futebol como eles gerem, no ponto de vista político. O futebol, hoje, é eminentemente econômico, e quem não se adaptar, vai ser atropelado.

Diego: O fim dos campeonatos citadinos tirou muitas equipes das atividades futebolísticas, por falta de calendário. Caso os estaduais sejam extintos, você acredita que muitos clubes brasileiros fechem as portas?

Mauro: Os campeonatos estaduais ocupam de três a quatro meses, no máximo, por ano. Quem faz futebol para três ou quatro meses por ano, não tem como sobreviver. Quem ligar apenas para campeonatos estaduais, dentro da estrutura de hoje, do futebol, vai falir. Ou se reinventam os estaduais, aplicando um planejamento, uma fórmula mais longa, que dê mais visibilidade para os clubes, vai sobreviver. Se não acontecer isso, a tendência é a diminuição muito grande de clubes no futebol brasileiro. Na época dos citadinos, existia em torno de três mil clubes no Brasil. Quando o estadual se torna efetivamente um campeonato, há em torno de mil a 1200 clubes no Brasil, e, com o fim dos estaduais, eu não acredito que sobrem mais do que 300 clubes no Brasil. Infelizmente vai se terminar um celeiro, o chavão aqui, dos grandes craques. Ou os clubes pequenos, os que se preocupam apenas com os estaduais, passam a planejar a sua visão nacional, ou modificam os estaduais, ou serão extintos. É uma pena. O meu time querido, o Ypiranga, de Erechim, provavelmente vai ser extinto se continuar pensando apenas em campeonato gaúcho.

Diego: A implantação do sistema de pontos corridos no Campeonato Brasileiro diminuiu o calendário para disputa das competições estaduais, colocando a continuidade dos regionais em discussão. No seu ponto de vista, qual seria o planejamento ideal a ser inserido no futebol brasileiro?

Mauro: O Ronaldinho está sendo disputado por três grandes clubes no país. O contrato, por quatro anos, é em algo em torno a R$ 100 milhões, dá R$ 25 milhões por ano. Como é que você vai querer que Grêmio, Flamengo ou Palmeiras, ou o clube que acertar, vá disputar um campeonato estadual, que é deficitário, onde eles vão ganhar, no máximo, de dois a três milhões. Eles têm que disputar campeonato onde tenham a rentabilidade equivalente a isso. O futebol brasileiro vai ter um novo referencial, caso a Copa seja disputada, em 2014. Vai ter um novo referencial de estádios. Todos os principais clubes do país vão disputar em outros palcos, em novos palcos, que vai ter outra estrutura de campo, outra estrutura administrativa. Como eles vão disputar campeonatos estaduais? Eles vão ter que disputar campeonatos rentáveis. O futebol vai dar um salto econômico. Como está vindo o Ronaldinho, em final de carreira, como o Ronaldo, na mesma situação, há uma possibilidade, quanto mais próximo da Copa do Mundo, do Brasil virar um dos centros do futebol, de virem jogadores para o país, com patrocínios. Nunca se falou antes em contratar um jogador por R$ 1,5 milhão de salários, por mês, no Brasil, agora se fala. O Ronaldo, acertando com qualquer um dos três clubes, é R$ 1,5 milhão de salário, por mês, uma parte bancada pelo clube, menor, e a outra, paga pelo patrocínio, e isso modifica a relação de futebol no país. O campeonato é por pontos corridos. Ele tem todos os seus defeitos, mas ainda é o melhor. Eu acho um campeonato cheio de defeitos, mas ainda é o melhor campeonato. A ideia que eu tenho de futebol é a seguinte: eu acho um absurdo, por exemplo, Santa Catarina ter três divisões, não tem clube para isso. Por que os clubes não disputam, de março a dezembro, um campeonato classificatório, que se classificam cinco clubes, para disputar com os cinco grandes, que disputam as séries A, B e C, um supercampeonato, uma rápida disputa, de fevereiro a maio? Esses jogos do campeonato catarinense, de maio a dezembro, com os outros clubes, deveriam ser em dias alternativos, não aos sábados e domingos, quando tem televisão, das séries A e B, em horários que não têm esse espaço, e vincular essas partidas, não sei se de maneira gratuita, ou em permuta, com essas televisões locais, como a TV Primer, em São José, a TV Galega, em Blumenau, acho que cada cidade tem a sua televisão, a TV COM, em Florianópolis. Essa é uma das saídas. A outra possibilidade que eu vejo, são os campeonatos estaduais se tornarem divisões do brasileiro, 9ª, 10ª, 11ª, em que se classifiquem clubes para disputar 4ª, 5ª, conforme vai ascender. Eu acho que os campeonatos estaduais, desta forma que eu estou te dizendo, de março a dezembro, citando o exemplo de Santa Catarina, deveriam ter algumas regras, por exemplo, a idade média ser de 22, 23 anos, para você trabalhar com jogadores jovens, jogadores mais baratos, podendo ter apenas quatro ou cinco jogadores acima de 25 ou 26 anos, para revelar jogadores. Na revelação dos jogadores, na permuta dos jogadores, e na visibilidade dessas transmissões locais, você pode gerar um bom campeonato. Eu acho que essa é uma das ideias. A outra, é a de um campeonato brasileiro de intensas divisões, e os campeonatos estaduais fazerem essas divisões.

Diego: Nos últimos anos, tem sido muito comum, em várias entidades esportivas, no Brasil, serem presididas e conduzidas por apenas uma pessoa, como por exemplo, o Comitê Olímpico Brasileiro, a Confederação Brasileira de Futebol, além das federações estaduais de futebol. Até que ponto essa perpetuação no poder, de determinada pessoa, atrapalha ou ajudam as federações estaduais de futebol?

Mauro: Esse é um caso típico do ranço político brasileiro. Os senhores de federação, são uns senhores feudais. Administram suas federações como se os estados fossem extensões de suas propriedades. Eu pego como exemplo o caso aqui em Santa Catarina. Qual clube, em Santa Catarina, tem uma sede igual a da federação? O Delfim não deve gostar da presença dos times catarinenses na primeira divisão, porque isso enfraquece os campeonatos estaduais, e isso perpassam essas entidades anacrônicas e obsoletas, que são as federações, um ranço, o viés político que ainda tem no futebol. O Ricardo Teixeira está há muito tempo, o presidente da federação gaúcha, o Onaireves Moura era o presidente eterno da federação paranaense, chegou a ser preso. A federação paulista também passa por esses problemas. Quer dizer, e o futebol, como é que estão os clubes catarinenses? Quantos clubes catarinenses faliram na gestão do Delfim de Pádua Peixoto? Cadê o Araranguá, o Sombrio, o Guarani, o Palmeiras, o Kindermann, a Caçadorense, o Xanxerense, o Guarani, de São Miguel D’Oeste, o Internacional, de Lages, o Fraiburgo, o Canoinhas? Muitos deles fecharam. Ele vai alegar que chegou a primeira divisão. O futebol catarinense tem dois clubes na primeira divisão, tem um na segunda, e dois na terceira, falando em nível nacional. Quantos desses clubes, e nesses acessos, o que teve de planejamento da federação? Qual é a participação da entidade, no planejamento e na ascensão desses clubes? Esse é um mérito extremamente ligado às agremiações. Santa Catarina tem dois clubes na Copa do Brasil, e o Ceará tem três, sendo que só tem um clube na primeira divisão. Eu acho que esse retrato é bem claro. O futebol estadual sobreviverá quando for gerido por entidades profissionais. As federações são de estruturas amadoras, tanto é que fazem a gestão do futebol profissional e futebol amador. As federações deveriam cuidar, essencialmente, do futebol amador. Uma liga de futebol profissional deveria lidar com futebol profissional, como a CBF só vai cuidar da seleção, o Clube dos 13 só vai lidar com os clubes. O campeonato brasileiro é esse sucesso, por que é gerido pelo Clube dos 13, não pela CBF, e assim deveriam os estaduais, geridos por uma liga profissional, que vai buscar melhores contratos, enquanto a federação fica apenas com o futebol amador. Já que é uma entidade amadora, que o senhor presidente não recebe, apenas faz o sacrifício, que cuide do futebol amador.

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