terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Entrevistas com Sérgio Rubim e Jurandir Camargo

Ambos falam da cobertura que fizeram pelo Jornal O Estado, veículo que trabalhavam


Sérgio Rubim (Canga)
Foto: Diego Wendhausen Passos

Data da entrevista: 27/11/2009


Diego: Como foi a cobertura no dia da Novembrada, para vocês jornalistas, no estado?

Canga: Eu trabalhava no Jornal O Estado, naquela época, como repórter, e três repórteres foram destacados para fazer a cobertura. O Jurandir Pires de Camargo, cobriria da chegada do aeroporto, do presidente Figueiredo, do aeroporto até a Praça XV. Eu fiquei encarregado de cobrir a manifestação na Praça XV, e o Luis Fernando da Silva Pontes, que trabalhou dentro do Palácio. Nesse período, vimos todos os acontecimentos, todas as movimentações dos estudantes, as agressões, e, depois, eles sumiram. Ficou o povo na praça, na rua, até umas quatro da tarde, não tinha polícia, eles tomaram conta do Centro. Não eram os estudantes, era o povo, que tinha descido dos morros, a população, e eu acredito que a questão da Novembrada foi consequência do excesso de propaganda que eles fizeram buscando popularizar da figura do João Figueiredo. Nas duas semanas anteriores à chegada do presidente a Florianópolis, eles fizeram uma propaganda maciça, o João do povo, como civil, tiraram a farda do general. Isso atraiu muita gente. Pela primeira vez na vida eu vi aquele número da pessoas juntas, tinham 15 mil pessoas. Eu nunca tinha visto, e, na hora que começaram os problemas, eles perderam o controle de tudo. Já o Jornal Afinal, é consequência, fizemos na cobertura do Jornal O Estado, chegou lá, tivemos todo o material censurado. Todas as nossas obras, foram praticamente censuradas, fomos todos censurados. Isso criou um problema dentro do jornal, reagimos, protestamos, e, logo em seguida, o governador Jorge Bornhausen colocou um interventor dentro do Jornal O Estado, mas, na verdade, fomos demitidos, já que eles iriam fazer uma reengenharia. Começou com a minha demissão, depois, o Nelson Rolim de Moura, o Jurandir e toda a equipe. E eu, o Jurandir e o Nelson Rolim fundamos o Jornal Afinal, que durou até o fim de 1980. Sofremos processo na Lei de Segurança Nacional, fomos ao Tribunal Militar, em Curitiba. Quando estávamos aguardando o resultado final do julgamento, pelas denúncias que fizemos contra o então governador Jorge Bornhausen, sobre a conta bancária na Suíça, aí para não sermos presos, fomos embora para o Uruguai, onde ficamos três anos, e fomos os últimos jornalistas a serem anistiados no Brasil, anistiados pelo Figueiredo.

Diego: Quais eram as principais dificuldades para vocês publicarem determinados assuntos, como casos de corrupção contra o governo. O governo ficava em cima, havia empastelamento, ainda naquela época, no final da década de 1970 e início dos anos de 1980?

Canga: Na verdade, no Jornal O Estado, tínhamos muitas denúncias, mas não conseguíamos publicar porque o jornal se auto-censurava e vivia da verba do governo, de dinheiro do poder público. Então, não tínhamos como, eles não deixavam. O Jornal O Estado era governista, eles se auto-censuravam, censuravam nosso projeto, então não fazíamos nada. Quando fizemos o Jornal Afinal, em 1980, aí tínhamos, o Inimigo do Rei, em Salvador, na Bahia, tinha o Pasquim, no Rio de Janeiro, o Afinal, em Florianópolis, e o Coojornal, em Porto Alegre, que eram os veículos de oposição. Todos sofríamos processos, perseguição, o Jornal Afinal era proibido de vender em banca, aqui em Santa Catarina. Nenhuma banca vendia o nosso jornal. Não podia ser impresso em nenhuma gráfica, em Santa Catarina, porque o governo do estado tinha um poder muito grande, de financiar essas empresas, de dar serviços para elas, e praticamente fizeram uma coisa velada, que proibiam. Sempre tivemos que imprimir o Afinal, no Rio Grande do Sul ou no Paraná, então, tinha uma censura violenta. Nós denunciávamos.

Diego: Atualmente, nós tivemos o retorno da democracia, isso em 1985, mas ainda temos muitos problemas de censura, inclusive um jornalista esportivo, na grande mídia, a exemplo do Jorge Kajuru, foi perdendo espaço por fazer várias denúncias contra dirigentes esportivos, políticos. Alguns blogs estão sendo censurados, ou até retirados do ar, por fazerem insinuações de denúncias contra o poder público. Como você tem visto a situação atual, em questão de liberdade de imprensa, e de expressão?

Canga: Aí tem duas questões diferentes. Se você trabalha com jornal, para a RBS, pela Folha de São Paulo, você, como repórter, não tem autonomia para escrever o que quiser. Você vai escrever dentro da ideologia da empresa, essa é uma questão. Então, existe uma censura, porque esses órgãos todos, praticamente, têm os seus interesses políticos, econômicos, e, por mais liberais que sejam, tem coisas que eles não publicam, pois não interessa a eles. Aqui, a questão da RBS, por exemplo, eu trabalhei no Diário Catarinense, e tem coisas que são bem vergonhosas. Essa relação incestuosa, de uma empresa privada com o dinheiro público, financiada pelo governo do estado. Então, tem um muita de coisa que eles não publicam. Se eles colocarem alguma coisa, denunciando algum político, é por que eles têm interesse politicamente, em denunciar determinada pessoas, para prejudicá-lo. Agora, isso é uma coisa. O dono do jornal publica o que quiser, no teu jornal. O dono da rádio, coloca o que quiser no rádio. Agora, o repórter que trabalha para o chefe, tem que escrever o que a empresa quiser, senão vai para a rua, e é assim. Esse tipo de censura que é praticado pelo dono do órgão, embora seja uma concessão pública, mas temos inúmeros tipos de censura, que essa é vergonhosa, que está acontecendo no Brasil. É a justiça, através de alguns juízes, atropelando vergonhosamente a constituição brasileira, e censurando blogs. Isso não existe. Para processar um blogueiro que faça uma calúnia, tem como processar, existem leis para isso. Existem canais na justiça para isso. Agora, censurar, cortar a falta de informação, a liberdade de expressão, isso é uma vergonha em um país dito democrático, é uma vergonha. Se comprova muitas vezes, corrupção na justiça, e sabemos que a justiça é um dos sistemas mais corruptos do Brasil, comprova os favorecimentos aos seus apaniguados políticos, são indicados, muitas vezes por políticos, governador, partidos, então, existe isso, que é uma vergonha, o que está acontecendo, com uma certa frequência, aqui no Brasil. Em Santa Catarina, mesmo, tem uma juíza que está censurando blog, tentando restringir a liberdade de expressão de modo que isso é uma vergonha.


Jurandir Camargo
Foto: Diego Wendhausen Passos

Data da entrevista: 25/11/2009

Diego: Naquele tempo, havia censura. Você trabalhava em qual veículo, na época?

Jurandir: Na época da Novembrada, eu era editor do Jornal O Estado. Ele estava em uma fase difícil porque estava demitindo jornalistas que tinham ideologia, que lutavam contra a ditadura. Então, uma série de colegas saíram da redação, e eu fui colocado em uma espécie de geladeira. A editoria internacional, era uma editoria que não tinha vinculação com o mundo local, ela tinha uma relação com o mundo internacional. Tanto na visita do Figueiredo aqui, que desencadeou a Novembrada, eu fui escalado para fazer uma cobertura da chegada do Figueiredo, que tinha uma tropa da Polícia Militar formada, que entraria no começo da Praça XV, passaria em revista a tropa, e entraria no Palácio Cruz e Souza, onde funcionava a sede do governo. Os outros repórteres estavem dentro do Palácio, onde haveria a solenidade e iriam acontecer as coisas. Mas, como eu sou um jornalista com sorte, na história, eu fiquei na rua, e na rua que aconteceu tudo. Então, acompanhei como repórter, todo o conflito ocorrido no dia 30 de novembro, em Floripa, que ficou conhecido como a Novembrada. Eu vi o destempero do Figueiredo, a dois metros dele, dizendo que a mãe dele não estava em jogo, eu vi as brigas que ocorram no calçadão, o César Cals tomou um tapa, de fato ele levou, tanto que caiu, e subiu pela minha perna. Então, eu considero a Novembrada como um marco na redemocratização do país, porque o regime estava no abre ou não abre, e depois do que aconteceu em Florianópolis, o general entrando em uma briga de rua, com pessoas que se manifestavam contra o regime, houve um escancaramento na abertura política. Então, em Florianópolis, isso precisa ser melhor analisado, foi o botão que acabou desencadeando o fim da ditadura.

Diego: Nesses 30 anos, conquistamos, na teoria, a democracia. Pela constituição, temos direito a liberdade de expressão, liberdade de crença, mas o que se tem visto em alguns casos, não é exatamente isso. Um caso sistemático é a censura à blogs. Em todo o país, alguns blogs que escrevem coisas que não agradam aos governantes, muitos deles são processados. Blogueiros têm sido processados, alguns até tiveram que fechar o blog. Exemplos que podemos citar é o jornalista Jorge Kajuru, que perdeu bastante espaço na mídia esportiva, por falar o que pensa.

Jurandir: No Mato Grosso, também. O Supremo Tribunal Federal foi claro, acabou com a Lei de Imprensa, criada na Ditadura Militar. Então, o que acontece com o jornalista que ofenda alguém, ou que crie algum problema para outra pessoa, tem o Código Penal, e também, a Lei Civil, reparação de perdas e danos. Então, eu acho que o tratamento com o blog deve ser a mesma coisa, existem as leis. Se alguém se sentiu ofendido por um jornal, por um blog ou por uma TV, que procure a justiça, que o Código Penal, e a justiça vai avalizar ou não se foi uma ofensa, mas limitar a liberdade de imprensa, por qualquer motivo, é inconstitucional, pois a constituição garante plena liberdade de expressão.

Diego: E nesse período, muitos políticos que lutaram contra a ditadura, hoje estão do lado de alguns deles, no caso, próprio PSDB e o PT, que tiveram uma linha mais à esquerda, hoje são considerados mais à direita, principalmente a ala do PT que chegou ao poder. Como você vê essas mudanças, eles estão se coligando com os antigos remanescentes da ditadura, por necessidade?

Jurandir: Essa questão de direita e esquerda acabou. O importante é saber se a pessoa é democrata ou não, se ela defende as liberdades democráticas ou não. Então, a questão, por exemplo, do PMDB, que foi um partido muito importante na luta contra a ditadura, e hoje, em alguns estados, é uma sigla que macula a sua história. Atualmente é conhecido como um partido de oportunistas, só espera o vencedor de qualquer eleição, para entrar dentro desse barco. Esse negócio de esquerda e direita é muito relativo, eu não acredito mais nessa divisão. Agora, há a divisão de pessoas que defendem a democracia e aquelas que não defendem, e tem muita gente, chamada de esquerda, que é fascista, que não defende a liberdade. Então, é bom a gente ficar de olho em quem defende e em quem não defende a democracia, essa é a divisão.

Material produzido pelo Jornal Afinal sobre a Novembrada
Fonte: Cangablog

A Revolta de Florianópolis

Homenagem a Floriano foi o começo do fim

Surgem as primeiras faixas de protesto

Gritos de "ladrão, ladrão"enfurecem Figueiredo

Após agressão a César Cals o bicho pegou

Jorge e o general na sacada do Palácio

A retratação

Julgamento dos jornalistas na LSN

Nenhum comentário:

Postar um comentário