Celso Martins
Foto: Diego Wendhausen Passos
Foto: Diego Wendhausen Passos
Data da entrevista: 27/11/2009
Diego: Como foi feita a cobertura pela mídia na época da Novembrada, no caso o Jornal O Estado, onde você trabalhava?
Celso: O Jornal, ele é dividido em editorias: esporte, economia, polícia, geral, cidade, política, e, nesse dia, da chegada do Figueiredo, o da Novembrada, eu sei que alguns repórteres foram destacados de outros setores para cobrir a chegada do presidente. E no protesto no dia 4 de dezembro (pedindo a libertação dos estudantes), foi mobilizado mais repórteres, e foi assim trabalhei na Novembrada. Eu cobria polícia, aí fui escalado para fazer a Novembrada, permanecendo todo o tempo. Eu me lembro que na época tinha o Nei Vidal, o Jurandir Pires de Camargo, o Sérgio Rubim, conhecido como Canga, o Flávio de Carvalho, se não me engano, eu estava lá, os fotógrafos todos, o Sérgio Rosário, o Rivaldo Souza, o Orestes Araújo, o Lourival Bento, enfim, todo o pessoal, sobretudo para o ato público do dia 4 de dezembro. Foi toda a equipe mobilizada, o jornal fez uma cobertura ampla, cobriu tudo. O evento foi chamado na capa, com destaque, com foto, quase sempre com manchete, ou sob manchete, com duas ou três páginas, diariamente, naqueles dias posteriores. É bom destacar o seguinte, a censura prévia, com a presença de censores militares, nas redações, ela termina em 1976. Dali em diante, a censura continuou, mas já não era mais prévia, se você divulgasse alguma coisa que não agradasse a ditadura, tinham consequências, represálias, mas já não havia mais a figura do censor, dentro da redação. Isso liberou um pouco, nós repórteres passamos a ser mais ousados. Em função dessa necessidade, dessa contingência, e o fato do Jornal O Estado ter passado a utilizar o off-set pouco tempo antes, transferindo as instalações no Saco Grande, modernizado as estruturas, também no campo editorial, o jornal se tornou um diferencial, pela equipe de repórteres que foi contratada. Boa parte deles com experiência, e alguns, iniciando. Fazíamos uma cobertura, não para criticar o governo, cobríamos o dia-a-dia como ele deve ser, ouvindo todos os lados, fornecendo e reportando para o leitor as informações, ajudando a formar uma opinião a respeito da realidade, uma posição e uma visão a respeito do cotidiano. Então, como é que se faz isso? Com o espectro amplo dos atores, das informações daquele caso. É o que nós fazíamos. Então, por exemplo, naquele período, o movimento estudantil estava em ascenção, União Catarinense dos Estudantes e a União Nacional dos Estadantes estavam se reorganizando, assembleias, movimentos, além de uma série de atividades, e o Jornal O Estado tinha um setorista na Universidade Federal, cobrindo as movimentações estudantis, que era o Elói Gallotti Peixoto, eu tinha até esquecido de citá-lo. Também havia, na época, a campanha pela anistia, a denúncia da situação dos presos políticos, a greve de fome que eles fizeram em 1977, e tudo isso, a tínhamos que cobrir. Então, esse era o objeto de cobertura do Jornal O Estado, e isso tornou o diferente, agradou o leitor, fez sucesso com esse tipo de abordagem, porque no meio daquela apatia, moteamento da informação e da cobertura, o Jornal O Estado se apresentou não como um órgão de esquerda, mas como um veículo que comunicava, informava, e cobria assuntos que normalmente não tinham cobertura. E foi essa equipe, com disposição, que cobrimos os acontecimentos. Já estávamos familiarizados com o movimento estudantil, com as situações dos anos de 1970. Quando veio a Novembrada, continuamos fazendo o mesmo que antes, com a diferença apenas na dimensão do aontecimento, que durou algum tempo, o jornal reforçou a cobertura, mas o veículo já fazia isso.
Diego: Recentemente, você escreveu um livro falando sobre a Operação Barriga-Verde, as torturas. Você participou também da cobertura da Novembrada, e, atualmente, temos acompanhado o caso de um dos sete presos, que criou um blog e tem sofrido censuras, e várias denúncias por crimes contra a honra, indenização por danos morais, no caso, o Mosquito, que tem sido ferrenhamente contra algumas figuras que lutaram contra a ditadura e hoje estão do outro lado. Como você tem visto esta questão de tortura daquele tempo para o atual, e questão de liberdade de expressão?
Celso: Eu só quero esclarecer uma coisa, que quem se mete a fazer blog, deveria primeiro se espelhar no que fazem os jornalistas, porque não é comum, no jornalismo, fazermos acusações sem provas, gratuitas, dirigindo-se às pessoas com palavrões, essa não é praxe, não é o dia-a-dia. Então, quem está fazendo blog, não precisa ser jornalista, mas eu acho que deve ter as precauções, os cuidados que o jornalista tem. Por isso é importante o diploma, pois dá exatamente essa formação. Antigamente não tinha curso universitário em Florianópolis, tínhamos que aprender na redação, e o que a gente aprendia, é hoje, aliado às questões éticas também, o que se tem nos cursos de jornalismo, de comunicação. E é sobretudo a questão de ouvir as partes, de se fundamentar bem. Quer chamar alguém de estelionatário, tem que ter provas para dizer que ele é. Você é juiz para julgar? Não, mas se há uma sentença dizendo que tal pessoa foi enquadrada no artigo 171, aí você pode chamá-lo de estelionatário, já que houve uma sentença, com base no que consta no processo, e chegou a conclusão de que não houve estelionato, ou houve peculato, ou houve uma alversação, enfim. Na medida em que há, e podemos até nos dar ao luxo disso, no momento nem fazemos isso. Até pode chamar a pessoa de estelionatária, mas creio que a divulgação de uma sentença judicial, dizendo que foi condenada por ter ferido os dispositivos do artigo tal, é suficiente para o leitor saber que ali houve um. Isso já entra no sensacionalismo, se pegar e utilizar essas expressões mais pesadas, e até pejorativas, que desrespeitam. Em relação à tortura, em Santa Catarina, não havia tradição. E a militância de esquerda sabia disso, nunca tinha passado por uma aprovação desse tipo. Na Operação Barriga-Verde, em 1975, as pessoas foram presas, levadas para Curitiba, e barbaramente torturadas. Todos esses tipos de torturas que estão descritos, foram alvos, inclusive um fato novo, uma prática nova, pouco conhecida, que era o empalamento, na qual os torturadores pegavam um cabo de vassoura e enfiavam no ânus dos presos. Não se tem relato disso em outros lugares, ou pelo menos, não com frequência, que tenha sido comum a prática corriqueira, foi na Operação Barriga-Verde. Fora essa tortura em Curitiba, também na sede da Polícia Federal, em Florianópolis, alguns deles sofreram torturas. O Lécio, o Marcos e o Teodoro foram torturados. O Mota e o Cirineu foram torturados na Polícia Federal. Quando chegaram na Polícia Militar já não houve isso, pelo contrário, o Márcio Cardoso Filho, até em uma carta que ele tornou pública, diz, que ao sair do exército, na Polícia Federal, e entrou na Polícia Militar, era como se estivesse saído do inferno e entrado no céu, por que os militares não tinham a tradição de torturar presos políticos. A própria tortura em preso comum, é uma prática dos anos de 1970, porque antes não tinha essa prática para se obter confissão. Não quer dizer que alguns presos comuns não apanhassem antes disso, não ficassem em condições degradantes, livres de humilhações, o objetivo não era arrancar informação, o sentido anterior era maltratar porque era bandido. Nos anos de 1970, a tortura passa a ser empregada para obtenção de informações, inspirada na prática consagrada em alguns lugares, com relação a prisioneiros políticos. Na Novembrada, esse episódio da Operação Barriga-Verde, pela brutalidade das torturas, ficou marcado na memória de todo mundo, tanto é que no episódio da 1979, dos sete estudantes presos, no primeiro momento, cinco foram efetivamente presos. A Ligia e o Adolfo fugiram para o Vale do Itajaí, e, depois, para uma fazenda em Lages, por que o tempo inteiro eles estavam em contato com as pessoas em Florianópolis. Qual é a informação que eles queriam saber? Se os cinco colegas estavam sendo torturados. Na medida em que ficou configurado a ausência da prática de tortura contra aqueles estudantes, a Ligia e o Adolfo negociaram para se apresentar. Quem os acompanhou foi o então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, o doutor Sady Lima. Na noite anterior, eles deram uma entrevista coletiva, na Assembleia. Eu fiz a matéria, onde eles anunciaram que na manhã seguinte estariam se apresentando, já que não estava havendo a prática de tortura, e, de fato, foi o que aconteceu. O Jornal O Estado daquele dia, não lembro a data, mostrou a foto dos ambos, dizendo que iriam apresentar-se à Polícia Federal. Eu lembro que essa matéria inclusive ficou um espaço na capa, e na página correspondente, para até eu voltar da Assembleia, no gabinete do deputado Murilo Canto, e fazer a matéria. Eu lembro até que os correspondentes de jornais de fora, tentaram negociar conosco para não publicar a matéria no outro dia, adiando a divulgação, para que todos publicassem juntos. Esse contato foi feito com o Marcílio Medeiros e comigo. Nós descartamos de pronto, e colocamos no outro dia, a matéria. Exatamente por que no jornalismo tem essa agilidade, se tem a informação que no dia seguinte os dois estudantes estão sendo procurados e iriam se apresentar, para que esperar para dar dois dias depois? Então, os outros jornais que fossem participar da cobertura e enviar as matérias.
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